Alguns de nós passam décadas buscando encontrar seu verdadeiro “eu”. Alguns anos, dezenas de livros de autoajuda, caixas de Prozac e idas à médiuns depois você tem a mesma certeza que tinha no começo: nenhuma.
Durante os últimos anos tenho buscado sentido em minha vida, me descobrir e entender quem sou como ser humano e vou lhes dizer, a cada dia nesta busca me sinto mais perdida.
Até que há alguns dias atrás lendo “A Sutil Arte de Ligar o Foda-se” e depois de algumas conversas com amigos uma ideia melhor passou pela minha cabeça.
E se o fato de não saber quem eu sou fosse a melhor coisa que poderia “me acontecer”?!
“Segundo o budismo, a ideia do “eu” não passa de uma construção mental arbitrária e, por isso, é preciso abandoná-la, porque ela sequer existe. Segundo essa filosofia, a medida arbitrária pela qual nos definimos é, na verdade, algo que nos aprisiona, e, portanto, é melhor abrir mão dela.”
– Mark Manson, A Sutil Arte de Ligar o Foda-se
Não se coloque dentro de uma caixa
A ideia de se definir é limitante e aprisiona. Ponto. É claro, cada um tem qualidades, defeitos e habilidades que já “vem de berço”, entretanto, não significa que não possamos tirar a bunda da cadeira e fazer algo sobre isso se realmente quisermos.
Acho sim importante se conhecer, entender do que você gosta ou não e tudo mais. Mas, definir quem você é, me parece algo como entrar em uma enorme zona de conforto na qual você planeja viver durante toda a sua vida. Parece muito mais medo do desconhecido do que coragem, como costumava pensar.
Sabe por que?! Porque não saber muito bem quem você é dá medo. Durante anos isso fez eu me cagar de medo. Como eu posso escolher uma faculdade se não sei quem sou? Como poderia escolher uma carreira se não conheço meu verdadeiro eu?! Se eu não souber quem sou jamais serei alguém na vida.
Esse pensamento é tão aterrorizante porque suas escolhas e atos são baseados no que você sente e acha certo naquele momento, sem ter certeza. Porque é assim que a vida é.
Você não vive num filme onde sabe que o mocinho – interpretado por você, obviamente – vai ficar com a mocinha no final, além de ter a casa e emprego dos sonhos. Isso tudo depois de realizar uma viagem de autoconhecimento e entender todo seu ser e o propósito de sua existência.
Mas vou te dizer, a vida é bem real e cheia de incertezas.
E nem todos querem ter sobre si o peso de precisar fazer escolhas difíceis porque a responsabilidade de ter feito o que você julgou ser o melhor naquele momento – mas se revelou ser uma escolha de bosta – é muito mais doloroso e desconfortável do que definir um rótulo e esconder-se atrás dele, fazendo só o que você está “destinado” a fazer.
Quando você se define através do seu trabalho, seus gostos, características e defeitos, ou mesmo pela opinião alheia, você está se colocando em uma zona de conforto. Está dizendo que tudo que não lhe compete está fora da sua responsabilidade e você nada pode fazer sobre aquilo. Mas eu vou te dizer algo:
Seu trabalho, seus gostos e desgostos e o que dizem sobre você não definem quem você é. Nada define, nem mesmo você.
Quando era criança eu sofri bullying o suficiente para, na minha adolescência, me impedir de olhar outras pessoas nos olhos. Eu mal falava com outras pessoas e todo esse “fuzuê” em torno da minha aparência durante minha infância me fez ser muito tímida, introvertida e me preocupar demais com o que os outros pensam sobre mim.
Eu poderia ter aceitado tudo isso e começar as definições por aí: sou tímida, não falo em público, sou péssima com pessoas, etc. Prontinho. “Me veja uma caixa grande, por favor”.
Aos 16 anos, na minha primeira redação no colégio novo, recebi nota 3 porque tentei escrever criativamente, em vez de fazer uma redação “estilo vestibular”. Eu poderia ter aceitado este rótulo também: não escrevo bem. “Na verdade, acho que cabe tudo numa caixa de sapato mesmo…”
Aos 23 anos comecei a fotografar e achava que era ótima nisso. Comecei a fotografar profissionalmente e adorava. Se me perguntasse quem eu sou diria: “Laís Schulz, fotógrafa, muito prazer.”, porque a caixa não estava apertada o suficiente, é claro. Eu precisava de menos espaço. “Bom, me dá logo uma caixa de fósforos que cabe!” – eu disse.
É claro que eu trabalho como fotógrafa e adoro isso, e persistir nessa habilidade me faz ser cada vez melhor no meu trabalho. Mas, isto não deve me definir como ser humano nem mesmo como profissional. Eu tenho a liberdade de buscar novos horizontes e testar minhas habilidades de qualquer outra forma e em qualquer outra área de atuação quando eu tiver vontade.
Não sou assim, eu estou assim
Eu percebi o quanto todos estes rótulos e esta busca por “se encontrar” são limitantes. À medida que nos cercamos de rótulos diminuímos cada vez mais nossos horizontes até que passamos a enxergar nossa vida através do buraco de uma fechadura.
Melhor esposa, aluno mediano, mãe do ano, Miss Universo, sem talento, vadio, indecisa, feia, inteligente, séria, bem humorado, fitness.
Viver assim é muito chato, sabia?! Você percebe que ao “escolher” e carregar consigo o rótulo de sério você vai tentar aparentar não ser doidão e engraçado quando quiser?!
Você já percebeu que quando se coloca em uma caixa como “não sou criativo” você acabou de se limitar e conformar-se diante de qualquer situação que exija o mínimo de sua criatividade?!
Afinal, se sou feia, pra que me arrumar? Se sou fitness, meu décimo primeiro mandamento, pela graça de Moisés, é que nenhuma batatinha frita jamais chegará perto da minha boca.
Dizer que é isso ou aquilo limita a visão que o mundo tem de nós, mas acima de tudo, limita a visão que temos de nós mesmos.
Definir quem você é te faz entrar numa zona de conforto extremamente desconfortável e limitante.
Nós paramos de tentar fazer uma coisa ou outra porque “não é para nós” pelo simples medo de fracassar. Mas, a verdade é que muito do que achamos “ser” nós apenas “estamos”. Como assim?!
Bom, eu realmente acredito que podemos mudar muitas coisas em nossa vida e em nosso ser. Você pode não ter nascido com uma bola nos pés – não literalmente falando, você entende, né?! – mas, se treinar muito e se dedicar, com certeza poderá dizer que é bom no futebol.
Eu, por exemplo, sempre tive muita ansiedade. Durante bastante tempo me coloquei na caixa que levava escrita nela “sou ansiosa” em letras garrafais.
Bem, dizer que sou ansiosa todos os dias é muito cômodo, porque eu não tenho o que fazer. Sou assim e nunca vou mudar, não importa o que eu faça ou deixe de fazer.
Apesar dessa “aceitação” ser algo ruim para mim, é uma situação cômoda, sem riscos. Afinal, é muito mais cômodo nem tentar porque eu sou assim do enfrentar o medo de tentar mudar esta condição e falhar.
Na pior das hipóteses, eu posso ser bem sucedida na minha empreitada e deixar de “ser ansiosa” durante toda a minha vida e passar para a condição de “estar ansiosa” em alguns momentos específicos.
Mas e aí, eu vou sair da minha segurança e não saberei mais o que sou, porque se não sou ansiosa, o que eu sou?! Ah, isso é um problema porque não sei viver com incerteza, preciso de uma carapuça que sirva. Preciso agora. Acho que estou ficando ansiosa de novo…
Capisce?!
Por isso não gosto de dizer que sou assim ou assado. Em algum momento decidi começar a falar de uma forma diferente. Hoje digo que estou trabalhando com algo, que gosto de escrever, que me sinto ansiosa ou triste em algum momento, que estou feliz, que me porto de forma séria quando preciso, mas que também sei tirar sarro da minha própria cara quando merdas acontecem.
Eu também sei que sou livre para experimentar o que eu quiser, quando quiser e que a incerteza diante de tudo que eu não sei deve ser um combustível e não um sinal de alerta.
Nós temos um mundo de possibilidades diante de nós e isso não deveria ser assustador. Se você não gosta de trabalhar como diretor de uma empresa e quer trabalhar de barista porque ama fazer café e conversar com pessoas, o que há de tão aterrorizante nisso?!
E o que há de errado se você fizer isso e depois perceber que não era bem o que você queria fazer e decidir que quer trabalhar como mergulhador na Austrália? A única coisa que você está perdendo tentando se encaixar e permanecendo nos rótulos que colocou ou colocaram sobre você é a sua felicidade… Só isso.
Tentar se encaixar em algumas definições específicas, um estilo, numa profissão ou num desejo são limitantes e ninguém é obrigado a viver a vida trancado em uma caixa espiando tudo através de frestas.
Abra a caixa, rasgue-a e jogue-a no lixo reciclável para que ela possa virar algo melhor. Sinta o vento nos cabelos e finja que está num comercial de shampoo, porque a vida está só começando e você não faz a mínima ideia de quem é. E isso nunca foi tão bom!